segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A canção do deserto.


Se um deserto não te parece ser um dos melhores lugares para estar, imagine então ter que passar quarenta anos. Imagine olhar pros lados e só enxergar areia, ter os pés queimando e as pernas cansadas de tanto andar. Imagine crianças chorando, pedindo colo, correndo para o lado errado. Imagine não ter muito o que fazer além de andar e imaginar a vida fora dali. Imagine vagar pelo deserto sem enxergar seu fim, sem entender o motivo por ter sido levado para lá, sem questionar porque não ter seguido o caminho mais fácil ou mais rápido.
As coisas poderiam ser mais simples se soubéssemos que Deus estava guiando, que não faltaria alimento, que durante o dia haveria sombra e durante a noite luz e calor; se soubéssemos que nada foge do controle do Deus que é o mesmo que nos guia e tem todo o conhecimento. Se soubéssemos que todo o trabalho que precisávamos ter era seguir a nuvem e a coluna de fogo, e chegaríamos salvos na terra que foi prometida.
O povo de Israel sabia, e as coisas não foram mais fáceis por isso. Por quê? Porque eles não entendiam e quando a gente não entende, a gente tem a mania de querer exigir explicações e soluções para problemas que não seriam problemas se nós soubéssemos descansar. É isso: eles não souberam descansar, não souberam fazer calar seu espírito questionador, não souberam ficar quietos, aproveitar o momento com Deus e ouví-lo.
Havia um Deus. Havia um plano. Havia uma terra prometida. Mas eles não souberam confiar. E por isso quiseram brigar com Deus, voltar a ser escravos, construir deuses por suas próprias mãos. E assim, muitos ficaram pelo meio do caminho e não viram aquilo que lhes era preparado. Havia outro caminho, mas era um caminho de guerra e Deus sabia que eles não estavam preparados. Seria mais rápido, mas levaria à destruição. Deus preferiu o deserto, porque antes de ir para a guerra, a gente precisa aprender a lutar. Deus queria que o povo passasse pelo deserto para conhecê-lo, para que quando fosse a hora de lutar, eles pudessem confiar sem medo que Deus tem mesmo poder e estaria com eles por onde quer que eles fossem. Deus tinha saudades daquele povo, tinha segredos para contar, tinha vasos de barro para moldar. Deus tinha um plano para o deserto.
Às vezes agimos como o povo de Israel, achamos que o nosso deserto demora demais a passar, ficamos inquietos em nossa ansiedade, procuramos meios de resolver tudo do nosso jeito. Mesmo que saibamos que no deserto também há Deus, e por isso mesmo, paz, deixamos nosso coração turbulento falar e esquecemos que o deserto é tempo de aprender, de deitar no colo de Deus e deixá-lo falar, de olhar para a nuvem e seguí-la. Se fosse para lutar, Deus os levaria para o caminho da guerra, mas era a hora de aprender, de se fortalecer, de andar lado a lado com Deus e conhecê-lo. Deserto é tempo de descansar e se preparar para a guerra. No deserto Deus provê a comida, a sombra e a luz, tudo a seu tempo. Há tempo de deserto e tempo de guerra. Tempo de aprender e tempo de lutar. Seu deserto tem alguma coisa a te ensinar, talvez seja a hora de ficar em silêncio e seguir a nuvem e a coluna de fogo. Talvez seja a hora de abraçar Deus feito uma criança que não sabe onde está nem para onde ir e ainda é pequeno demais para descobrir o motivo de estar ali. Talvez seja a hora de parar de tentar construir caminhos alternativos e confiar em quem está com você e por você. Do seu lado. Lutando por você, enquanto você é fraco demais para enfrentar uma guerra.
Há um lugar para chegar e há alguém que te levará em segurança e abrirá o mar para você passar se for preciso. Deus te levou para o deserto porque não queria te ver escravo. Escravo dos seus medos, das suas inquietações, do seu passado, das interrogações que vez ou outra batem no teu rosto e te fazem questionar quem é Deus e onde está o seu poder. Ele te levou para o deserto para te tratar, para curar feridas, para te fazer livre e mostrar a sua glória. Nem sempre vai fazer sentido para você, nem vai ser fácil entender. Mas você pode escolher confiar. Pode aproveitar o deserto, esse tempo em que é só você e Deus, para conhecê-lo. Você pode estender uma rede e aproveitar a sombra que Ele te dá. E descansar, recarregar o coração, renovar as forças, alimentar a alma.
Pode parecer piada falar em descansar no deserto, porque é sempre muito difícil calar nosso coração angustiado. Cantar no deserto também não é fácil porque a boca seca, os pulmões perdem o ar, o espírito desanima. Mas Deus nos chamou para a loucura. Deus nos convidou a ter bom ânimo em meio às aflições porque Ele venceu o mundo. E para quem já venceu o mundo, atravessar um deserto com você e vencê-lo, é fácil. Para você, não é fácil nem indolor atravessar um deserto, mas é desafiador passar por ele cantando, confiando em alguém que você não vê, mas ouve, sente, respira.
Deus vai cantar com você. Há uma canção no deserto e é Deus quem canta. É Ele quem diz que você pode confiar, porque a terra prometida está logo ali. É Ele quem canta para calar seus medos, para aumentar sua fé, para te fazer chegar mais longe. Você pode tampar seus ouvidos e vagar sozinho, ou você pode parar para ouvir. E cantar com Ele. A canção do deserto também é uma canção de amor, é sobre alguém que te ama a ponto de preferir passar com você por esse deserto a te deixar numa guerra que você não pode vencer. A canção do deserto é sobre um Deus que quer passar um tempo com você. E às vezes só no deserto a gente pára para ouvi-lo e senti-lo e lembrar que Ele não nos esqueceu. Talvez seja a hora de parar, de olhar para cima, de deixar de lado sua vida agitada, esquecer o trânsito, a chuva, as buzinas ensurdecedoras, e ouvir a canção. A canção do deserto é a mesma da terra prometida e a mesma da cruz: é sobre um Deus, um povo e uma promessa. É sobre amor, você pode ouvir? 

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Jesus em minúscula.


"Deus, onde você está? Está na hora de aparecer, de mover uma montanha, fazer o tempo parar, abrir o mar, curar um cego. Cadê seu poder? Onde foi parar o milagre? Você não viu que ontem eu chorei? Onde você estava?" Em algum momento essa foi a minha oração, e talvez tenha sido a sua, ou ainda vá ser. Não sei. Mas hoje eu encontrei Deus. De novo. E Deus me abraçou. Onde ele estava? Aqui. O tempo todo. Dentro de mim. Por que eu não enxergava? Estava cega. Procurando grandes sinais. Esperando vê-lo em outras vidas, vê-lo solucionar problemas grandes pelos quais eu nunca precisei passar. E ele estava aqui o tempo todo. Agindo quietinho, sorrindo enquanto eu o procurava, abrindo meus olhos pra tudo aquilo o que acontece todo dia. O tempo todo. Co-ti-di-a-no, a boa notícia é que Deus também está por lá. Ou por aqui. 
Seu carro bateu, ninguém se feriu, você agradece. Por que não lembrar das inúmeras vezes em que seu carro não bateu? Você ficou doente, e depois curado, e agradeceu. Por que não agradecer por todos os outros dias em que seu corpo levantou da cama com disposição para enfrentar o dia? Costumamos pensar que Deus está no grande, no fácil de ver, nos terremotos nas prisões. E ele está. Mas não só lá. Ele está aqui, aí, em todo o lugar. 
Precisamos ser sensíveis. Precisamos encontrar com Deus todos os dias. E sermos abraçados. Confortados. Ele está aqui. Não está longe. Não está esperando o furacão acontecer na sua vida para começar a operar. Ele está agindo no dia-a-dia, te livrando, colocando sorrisos no seu caminho, ajeitando os ponteiros para que você chegue ao ponto de ônibus alguns minutos antes de passar o ônibus que te levará em segurança ao seu destino.
No início pode ser difícil, como olhar na escuridão, mas depois o olhar acostuma e a gente consegue ver. Meio disforme, sem jeito, mas está lá. É assim com Deus. Parece difícil encontrá-lo quando nenhuma tempestade precisa ser acalmada, mas ele está lá. Meio sem jeito do Deus que às vezes a gente espera que ele seja: o Deus das grandes coisas. Eu descobri, olhando no escuro, que o Deus das grandes coisas é o mesmo Deus das pequenas coisas. Quando enxergo Deus ao encontrar o sapato que queria após entrar em todas as lojas e nenhum servir no meu pé ou quando consigo falar com alguém que há muito tempo não falo, o imagino sorrir para mim. E sorrio. Porque o enxerguei no trivial. 
Precisamos aprender a ver Deus quando for difícil, quando "milagre" parecer coisa que só acontece na Bíblia, há muitos anos atrás, quando Jesus passava por aqui. Precisamos entender que os milagres acontecem. O tempo todo. Feito terremoto, mas também feito o bater de asas de uma borboleta. Porque Jesus ainda está aqui. Não apenas conosco, mas dentro de nós, nos fazendo de habitação. E é aí que o milagre começa. Quando Jesus deixa de ser o cara que "está aí", "por aí", "em algum lugar fazendo coisas grandes", para ser aquele que "está aqui", "aqui comigo", "aqui cuidando de cada detalhe da minha vida". Milagre não tem tamanho. Milagre tem o endereço da sua necessidade. Seja uma cura, uma causa impossível ou qualquer outra coisa que pareça digna da atenção de Jesus; ou seja apenas um sapato, ou que você chegue no horário certo para fazer aquela prova importante, ou que não chova enquanto você não chegar em casa ou qualquer outra coisa pequena o suficiente para te fazer entender que o Jesus da multiplicação, de fazer o coxo andar, de ordenar que as águas se acalmem, é o mesmo que se importa com cada detalhe da vida que ele te entregou. Por menor que seja pra você. Não é pequena coisa pra ele.
Entrega total é isso: entregar cada milésimo de segundo do seu dia. Dizer "olha, Deus, não é grande coisa, mas é o que eu tenho hoje, você consegue manifestar o seu poder com isso?" A boa notícia é que ele consegue. Você só precisa estar sensível, estar disposto a ver, estar entregue, estar ansioso para vê-lo em minúscula e não ter tempo para duvidar que é real. Jesus é real. Mesmo em minúscula, ele é grande. E é grande por isso: por ser grande o bastante para agir nas nossas pequenas coisas, no "menos importante", no que ninguém viu. Deus te deu "bom-dia" hoje, você viu? 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma cidade sobre a montanha.


Uma cidade edificada sobre uma montanha, daquelas que não se pode esconder. Por mais que as luzes estejam apagadas, os portões fechados e ela tenha um ar sombrio abandonado: ela está lá. E as pessoas a veem, sabem que ela existe, que é uma cidade, ainda que calada, escura e sem movimentação. A cidade continua lá. Nós continuamos lá. Por que tão alto? Por que tão visível? Por que não no litoral, perto de alguma praia deserta, visitada apenas por alguns poucos turistas e em determinadas épocas do ano? Por que? Porque precisamos ser vistos.
Estamos numa montanha porque precisamos ser vistos. Não para nos exibirmos. Mas para exibirmos aquele que habita em nós. Estamos tão alto porque precisamos que nossa luz brilhe, que o som das nossas ruas alcance todos os quarteirões abaixo de nós, que a alegria que circula pelos fios de nossas casas chegue também aos nossos arredores e eletrize corações. Precisamos que vejam a cidade que somos, edificadas sobre um Cristo que todos os dias circula pelas nossas ruas e pelas nossas casas e pelas nossas veias. O mundo precisa que sejamos cidades com hospitais que curam, com amor, com perdão, com a paz que temos naquele que nos edificou; o mundo precisa que nossas praças festejem, dancem, cantem, celebrem todos os dias! Em meio aos dias claros ou em meio à tempestade, quando não houver nenhuma estrela no céu, quando a dor estiver cantando mais alto e abafando o canto dos pássaros. O mundo precisa ter vontade de estar conosco, precisamos mostrar a essência da nossa cidade e atrair os olhares, os passos, os corações. Precisamos construir mais casas, asfaltar as ruas, colorir as paredes, pendurar fitas nos portões, estender tapetes de boas-vindas, precisamos crescer. E vamos. Vamos ser uma cidade que cumpre com o papel daquele que nos planejou. Vamos chamar atenção porque brilhamos, porque temos alegria em nossas ruas, porque nosso canto alcança os quatro cantos do mundo. O mundo não precisa de cidades sombrias, frias, escuras, ele precisa de nós. Da nossa cidade e da rocha sobre a qual estamos. Não por nós, mas por aquele que nos chamou. Não pela nossa alegria, mas pela alegria que nos é dada. Não por onde estamos, mas por para onde vamos.